Irregularidade
Obra no Pontal vira inquérito civil do MPF
Intervenção realizada no começo do mês não contou com licença específica
As obras para contenção de cheias realizadas na estrada de acesso ao Pontal da Barra viraram inquérito civil do Ministério Público Federal (MPF). A intervenção em Área de Preservação Permanente (APP) feita entre os dias 6 e 7 de abril, em um trecho de 300 metros, não contou com licença ambiental específica e gera o principal ponto de discussão. Nos próximos dias, o procurador da República Max Palombo, deverá reunir-se com técnicos da Secretaria de Qualidade Ambiental (SQA). Ao ouvir o secretário de Serviços Urbanos e Infraestrutura, Luiz van der Laan, o procurador recebeu a confirmação de que a equipe se utilizou da autorização para manutenção e limpeza da orla para erguer o “dique”.
“Temos que construir um protocolo mínimo para intervenções naquela estrada. Existem condicionantes específicas que precisam ser respeitadas”, destaca Palombo, depois de conhecer a denúncia encaminhada pelo professor da Universidade Federal do Rio Grande (Furg), Marcelo Dutra da Silva, e de ouvir Van der Laan. O procurador da República preferiu não falar em prazos nem em medidas a serem adotadas daqui para frente. A expectativa, entretanto, é de que a polêmica se transforme em oportunidade para identificar e desenvolver soluções que não sejam, mais uma vez, paliativas. E, pior: nem garantam o acesso aos moradores do Pontal da Barra, a cada nova enchente, e ainda provoquem danos ambientais.
Alteração severa ao ambiente
O professor da Furg Marcelo Dutra da Silva, é explícito: a medida da prefeitura, além de promover desorganização do ambiente de fundo da Lagoa dos Patos, provoca alteração severa do ambiente de margem. É uma mudança que não desconfigura apenas a paisagem. Com a sobreposição de sedimentos sobre a linha de praia, há interferências na organização biológica do sistema, já que existem micro-organismos simplesmente soterrados. Na prática, podem existir consequências na cadeia alimentar.
O trecho é pequeno, claro, mas nada que afaste o tom de preocupação: “Parece ser um grande estrago na organização do sistema para um resultado tão pouco eficiente, quanto de pouca duração”, diz, caminha pelo local - que já começa a desmoronar - e intitula a obra de amadora. O doutor em Ciências defende que o Executivo deve corrigir o estrago e recuperar a orla. Para isso, precisaria devolver os sedimentos à Lagoa e renaturalizar a área afetada com amostras da linha de praia próxima, com objetivo de buscar restabelecer o arranjo.
“As questões ambientais, em geral, são vistas como menores e ficam para ser debatidas depois. Mas o depois pode significar não ter mais o ambiente para discutir”, desabafa o pesquisador. E vai mais longe: defende que a educação ambiental deve virar tema de estudo aos entes da administração pública.
Definitivo
O professor ainda argumenta que a estrada de acesso ao Pontal da Barra deveria gerar análise aprofundada de profissionais da Engenharia e da área ambiental para que alterasse parte do traçado, ganhasse pavimentação e eventuais contenções e passasse a contar com túneis de passagem de fauna, na tentativa de restabelecer o contato natural da orla com a área úmida. A obra precisaria ser avaliada sob a perspectiva da Ecologia de Paisagem - reitera. Tudo porque se daria em uma zona de transição entre duas comunidades e/ou sistemas vizinhos: o banhado (historicamente agredido) e o ambiente de praia.
A palavra do secretário
O secretário de Serviços Urbanos, Luiz van der Laan, agarrou-se ao decreto 5.876, de 20 de outubro de 2015, quando o prefeito Eduardo Leite (PSDB) declarou situação de emergência em Pelotas, para assegurar que a condição abria a possibilidade de o município enquadrar-se - por seis meses - em casos de excepcionalidade, em que o licenciamento ambiental a esse tipo de obra não seria obrigatório; como prevê a Resolução 369 do Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama).
“Não tem qualquer crime ambiental. Fizemos a obra no começo de abril e poderíamos ter feito até dia 20”, sustentou, na tarde de sexta-feira. Van der Laan lembrou a importância de proteger a comunidade do Pontal - instalada há décadas no local - e contrariou a posição de quem defende que a intervenção traz danos ambientais. “Utilizamos material da própria Lagoa”, destacou. E voltou a mencionar os altos custos que a prefeitura tem tido com a recuperação da estrada, a cada nova enchente. Em outubro do ano passado, por exemplo, 500 cargas de 14 metros cúbicos (cada) foram utilizadas.
“Assim, mesmo que as novas chuvas tornem a desfazer a barreira, ainda sai mais em conta para o município reconstruí-la com terra retirada da laguna que comprar saibro”, defendeu, em material de divulgação produzido pelo governo em 7 de abril. Na sexta-feira, ao conversar com o Diário Popular, o secretário garantiu que, ao contrário do que chegou a ser divulgado pela assessoria de Comunicação, a obra não é um dique. É um muro de contenção.
Na prática, os termos não alteram o que está em discussão. “Fiquei atordoado com a convocação do Ministério Público, nunca precisei dar este tipo de explicação e, para ele (Max Palombo) não apresentei a defesa adequada”, admitiu, com os números da Resolução do Conama e do decreto do prefeito na ponta da língua.
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